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Estratégia da China e o Desafio à Soberania Econômica EUA



Vinícius André de Oliveira

A ascensão da China como potência econômica global é resultado de uma estratégia industrial deliberada e centralmente coordenada, sustentada por políticas públicas de longo prazo e investimentos estatais substanciais em setores críticos. Iniciativas como o “Made in China 2025” (MIC2025) e a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) remodelaram as cadeias globais de valor e desafiaram diretamente a liderança econômica e tecnológica de longa data dos Estados Unidos. Com metas específicas de alcançar 70% de autossuficiência em insumos industriais essenciais até 2025, o governo chinês destinou bilhões de dólares ao desenvolvimento de tecnologias como semicondutores, baterias de íon-lítio, inteligência artificial e robótica avançada. Até o final de 2024, a China já havia conquistado a liderança global em cinco dos treze setores prioritários definidos no MIC2025, com destaque para veículos elétricos, tecnologia solar e fabricação de baterias. Empresas como BYD e CATL, impulsionadas por mais de US$ 230 bilhões em subsídios governamentais diretos desde 2009, superaram concorrentes ocidentais tanto em escala de produção quanto em inovação tecnológica.

Paralelamente, a estratégia de “Dupla Circulação” da China, lançada em 2020, visa reduzir a dependência externa fortalecendo o mercado interno. Essa mudança foi reforçada por maiores investimentos públicos e privados na demanda do consumidor, infraestrutura crítica e cadeias de suprimentos localizadas. No cenário internacional, a Iniciativa do Cinturão e Rota ampliou a presença geoeconômica da China ao financiar infraestrutura no Sul Global. Em dezembro de 2024, os investimentos totais relacionados à BRI haviam ultraado US$ 1,175 trilhão, incluindo US$ 121,8 bilhões somente em 2024. A iniciativa abrange 149 países, com investimentos em portos, ferrovias e infraestrutura digital, financiados principalmente por empresas estatais chinesas.

Esses desdobramentos têm implicações econômicas e geopolíticas significativas para os Estados Unidos. Em 2024, o déficit comercial de bens dos EUA com a China atingiu US$ 295,4 bilhões, um aumento de 5,8% em relação a 2023. As importações de tecnologia, bens intermediários e produtos de consumo chineses representaram 13,3% do total das importações americanas. Ao mesmo tempo, os controles de exportação dos EUA visando conter o avanço tecnológico chinês — como as restrições à venda de chips de IA — produziram resultados mistos. Empresas americanas como a Nvidia sofreram perdas de mercado após essas restrições, enquanto companhias chinesas como Huawei e SMIC intensificaram esforços de inovação doméstica. Estimativas recentes indicam que, até 2027, até 82% da demanda interna chinesa por chips de IA poderá ser atendida por fornecedores locais.

Para responder eficazmente a esse cenário em evolução, os Estados Unidos precisam adotar uma estratégia industrial abrangente e prospectiva, que integre a política econômica com objetivos geopolíticos. Um dos pilares dessa estratégia é o fortalecimento da base nacional de inovação por meio do aumento do financiamento federal em pesquisa e desenvolvimento (P&D), apoio ampliado à manufatura avançada e alinhamento estratégico entre instituições acadêmicas e a indústria. O CHIPS and Science Act destinou US$ 106 bilhões para reforçar a produção doméstica de semicondutores, incluindo US$ 39 bilhões em subsídios diretos e incentivos fiscais. Reconstruir a capacidade manufatureira interna e diversificar as cadeias de suprimentos é essencial para reduzir vulnerabilidades estruturais em setores críticos como defesa, energia, farmacêutico e tecnologia da informação.

A consolidação de parcerias internacionais estratégicas é igualmente vital. Os Estados Unidos devem revitalizar marcos multilaterais de comércio, expandir acordos bilaterais com parceiros-chave na América Latina, Indo-Pacífico e África, e aprofundar a colaboração em normas técnicas para tecnologias emergentes. Essas alianças devem promover transparência, sustentabilidade e concorrência justa como contrapesos ao modelo de investimento estatal chinês. Paralelamente, os EUA precisam reforçar os mecanismos de proteção da propriedade intelectual e as estruturas de ciberdefesa para proteger a segurança nacional e garantir a soberania tecnológica em setores sensíveis como telecomunicações, aeroespacial e computação quântica.

No plano interno, investir em capital humano é essencial para manter a competitividade americana. Isso inclui expandir o o à educação STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), capacitação técnica e programas de requalificação da força de trabalho, preparando os trabalhadores para ocupações de alto valor nas economias digital e verde. A política educacional deve ser compreendida não apenas como um investimento social, mas como uma prioridade estratégica para a segurança nacional e a liderança global.

A China implementou com sucesso um modelo de capitalismo de Estado que desafia a ordem internacional liberal do pós-guerra tradicionalmente liderada pelos Estados Unidos. Para proteger sua soberania econômica e manter sua relevância global, os EUA precisam ir além de medidas comerciais reativas e comprometer-se com uma política industrial de longo prazo que promova a inovação, fortaleça a capacidade interna e se alinhe a parcerias estratégicas globais.

A integração entre políticas industrial, de segurança e externa será decisiva para definir o papel dos Estados Unidos na economia global do século XXI.

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